Qual é a fórmula secreta para fazer um grande Azeite Virgem Extra?

Nesta entrevista à Mercacei, José Vico, agrónomo, olivicultor e consultor especialista em lagares, revela a fórmula secreta para fazer um grande azeite virgem extra, bem como as chaves para que um lagar seja eficiente e lucrativo. Vico é autor do livro “Como gerir um lagar passo a passo. A arte de fazer azeite virgem extra”, uma publicação premiada no XXI Concurso Nacional de Difusão da Olivicultura da AEMO e que contém orientações para quem deseja levar o seu lagar a um patamar superior e produzir azeites melhores e capazes de competir num mercado globalizado.

Como surgiu a ideia do livro e como foi o seu processo de criação? A quem é dirigido?

Não surgiu até que me apercebi que precisava de uma maneira de organizar as informações na minha mente. Responder a perguntas simples tornou-se uma tarefa difícil que, ao invés de esclarecer, confundia. Comecei por abreviar as informações, estabeleci uma meta de contagem de palavras seguindo a ideia das mensagens do Twitter. Classificadas as informações, resolvi compartilhá-las e surgiu a ideia do livro.

O livro (disponível na Amazon) é dirigido aos atuais e futuros trabalhadores de lagares de azeite; gestores para quem essas informações possam ser úteis na tomada de decisões; aos empresários ligados ao setor que queiram saber mais sobre este negócio; e para pessoas que não se dedicam ao azeite virgem extra, mas o consomem e se interessam por ele.

“Estou convencido de que esta profissão tem um grande futuro, é difícil conceber a humanidade sem esta profissão e os benefícios que a mesma traz”

Um ofício ancestral, um negócio lucrativo, pode ser lido no título da obra.
Diga-me, quais são as chaves para tornar um lagar eficiente e rentável?

Pessoalmente, estou convencido de que esta profissão tem um grande futuro, é difícil conceber a humanidade sem esta profissão e os benefícios que ela traz. Para melhorar a eficiência e rentabilidade de um lagar de azeite, é necessário banir as rotinas tóxicas geradas pela repetição e pela passagem do tempo; encorajar hábitos positivos; comunicar ações por escrito para evitar confusão verbal; anotar a limpeza, o tempo (por exemplo, a permanência da azeitona no moinho, na batedeira, do azeite nos decanters…) e a temperatura; conhecer as máquinas e proporcionar-lhes as condições necessárias para a realização do seu trabalho; tenha sempre o talco à mão; filtre o azeite de qualidade o mais rápido possível; e, quando a azeitona for de boa qualidade, produzir qualidade ou, se não, focar em extrair o máximo de azeite possível.

E para fazer um ótimo azeite virgem extra?

Existem apenas dois tipos de azeites: os com defeito, chamados de lampantes; e os que não têm, chamados de virgem extra. O desafio surge quando se utilizam azeites com defeito e estes são classificados como defeitos ligeiros (azeite virgem). Como é avaliado um azeite quando o resultado final não é convincente? Esta situação planta um problema. Produzir qualidade não requer colher as azeitonas em setembro e lidar com frutos não maturos (imaturos não, obrigado); nem a construção de um novo lagar ou a aquisição de máquinas complexas; nem administrar uma tecnologia que às vezes causa mais confusão do que soluções. Estas ações também são caras. A solução está na simplicidade.

É essencial formar funcionários para conhecer e amar o seu trabalho. O primeiro passo no lagar é preparar três especialistas. O primeiro no campo para classificar as azeitonas, ou melhor, para classificar o azeite. O segundo na fábrica, que deve ser meticuloso e registar cada passo. Avaliar o azeite obtido (ao prová-lo) será sua principal tarefa. O terceiro no lagar, especialista em filtrar e conservar azeites.

A verdade é que não existe uma resposta única para essa pergunta. Cada pessoa deve encontrar o que funciona para si e as chaves serão encontradas à medida que progridem. No meu caso, tem sido muito útil cuidar dos detalhes e trabalhar em equipa. E a fórmula secreta: perseverança, disciplina e paciência.

Que nível de profissionalismo existe hoje nos lagares espanhóis e como tem sido a sua evolução nas últimas décadas?

A indústria do azeite é uma parte fundamental da prosperidade de muitas cidades e o seu sucesso ou não sucesso tem um grande impacto na vida dos seus habitantes. Então, por que a maioria dos jovens que procuram um futuro profissional não pensa em trabalhar nessa indústria e obter formação para ela? É evidente que o trabalho relacionado à colheita e extração de azeite é realizado num determinado período de tempo. Além disso, com os novos olivais intensivos e superintensivos, a tendência é de campanhas mais intensas e curtas. Como conciliar a temporalidade desses postos de trabalho com a necessária profissionalização? Uma solução seria diversificar.

Nos seus mais de 30 anos de experiência como assessor de lagares, trabalhou com importantes produtores, ao ajudá-los a melhorar os seus processos produtivos para obter mais e melhores azeites, rentabilizar as suas empresas e tornarem-se uma referência no setor. Além de ser líder indiscutível em produção, Espanha também é líder em qualidade?

Como pode Espanha ser líder em qualidade se vende o seu azeite virgem extra a um preço inferior (1,38 euros/kg mais baixo) do que Itália, que pretende ultrapassar? O progresso de Espanha na melhoria de qualidade nos últimos anos foi impressionante, está a caminho de se tornar líder, mas os dados do mercado mostram que ainda há um longo caminho a percorrer. Talvez essa lacuna possa ser reduzida se, além de produzir, Espanha se dedicar à comercialização com o mesmo entusiasmo.

Por outro lado, existe uma oportunidade de emprego para profissionais espanhóis na América Latina, onde a olivicultura está em desenvolvimento (Argentina, Chile, Peru, Uruguai). Esta campanha oferece um calendário alternativo ao espanhol, sem o problema do idioma, e requer pessoal qualificado. Oferecer-se para trabalhar nestes países (“fazer as Américas”) parte do ano pode ser uma solução para o tempo de inatividade em Espanha.

Sem sair das nossas fronteiras, se a campanha for sazonal, o tratamento do azeite (conservação, filtragem, degustação, embalagem e comercialização) e a sua promoção junto dos consumidores (oletoturismo) não o é. Além disso, é necessário ter em conta a gestão de subprodutos como o caroço, a compostagem do resto dos resíduos (folha, alpeorujo) ou a necessidade de rastreabilidade e segurança alimentar e a implementação de sistemas de qualidade. A evolução da profissionalização foi acompanhada de novas demandas e possibilidades, como melhor acesso a programas de treinamento (mecânica, eletricidade, informática) que encaixam no lagar. Embora a situação tenha melhorado, parte da força de trabalho, principalmente a descontínua, ainda não vê no lagar uma opção de trabalho que atenda às suas necessidades e que valha a pena se especializar. Enquanto isso não acontecer, os trabalhadores não estarão preparados para avaliar e tomar decisões, tornando-se substituíveis.

Por falar em qualidade, o que pensa da atual proliferação de concursos internacionais para a qualidade do azeite virgem extra, alguns deles de duvidosa credibilidade e com uma metodologia onde o rigor e a transparência se destacam pela ausência?

“É essencial formar funcionários para conhecer e amar o seu trabalho. O primeiro passo na fábrica é formar três especialistas: o primeiro no campo, o segundo na fábrica e o terceiro no lagar.”

Quando uma empresa organiza um concurso cujo objetivo é arrecadar e obter registos ao invés de destacar a qualidade, ela causa um efeito contrário, pois a qualidade acaba por se tornar banal. Existem algumas pistas para descobrir se o objetivo de um concurso é reconhecer a qualidade ou outro: Quem forma o júri? São pessoas comprometidas ou apenas envolvidas? Quem é responsável pela coleta de amostras? É uma pessoa delegada sem interesse ou a própria empresa dona do azeite? Qual é o volume da amostra? É uma pequena quantidade que reduz o esforço do produtor/comerciante ou é uma quantidade que permite aos consumidores desfrutar da qualidade do azeite virgem extra?

Fale-me da figura do mestre do lagar, parte fundamental do sucesso mas talvez não suficientemente reconhecida no setor.

O mestre do lagar é um papel fundamental neste trabalho. O mesmo é obrigado a ser o maestro da orquestra e dominar todos os instrumentos musicais, e isso não é justo. Na minha opinião, o seu papel deveria mudar de ser um faz-tudo para ser uma pessoa que une todos. Embora o professor não saiba tudo, ele deve ser um líder e fornecer todas as ferramentas que os seus colegas precisam para melhorar o seu desempenho. É importante reconhecer o seu esforço e trabalho, mas também é importante partilhar fardos e responsabilidades. A equipa prevalece sobre a individualidade, em outros setores em que a mesma atua. Esta rota de organização do lagar está a ser percorrida, deixemos espaço para que a imaginação e o empenho dos seus intervenientes possam transformar uma realidade que resiste.

O Lagar 4.0 já é uma realidade. A digitalização marcará o futuro na gestão dos lagares de azeite?

No início, o lagar (vamos chamá-lo de Lagar 1.0) dependia da força bruta, a energia era um fator limitante. Para a etapa seguinte (Lagar 2.0), o principal objetivo foi melhorar a produção e a eficiência. Numa terceira etapa (Lagar 3.0) foram introduzidos sensores, dispositivos automatizados e registos para entender o processo. Atualmente, o Lagar 4.0 representa uma revolução pautada na Inteligência Artificial, na manipulação de grandes volumes de dados, algoritmos e, principalmente, uma grande interligação entre todos os envolvidos. No entanto, o excesso de informações pode dificultar a tomada de decisões e impedir que sejam operacionais. Um processo pode ser tão complexo quanto imaginável, mas, como disse Leonardo Da Vinci, “a simplicidade é a sofisticação máxima”. Processos complicados precisam de ser simplificados e transformados em ações que a equipa possa executar facilmente. Neste sentido, a automação não só fornece informação, mas também soluções: prevê resultados e antecipa ações (virtual twin) para que as pessoas possam tomar decisões informadas.

Como imagina que os lagares estarão daqui a 20 anos?

Os trabalhadores dos lagares serão libertados de tarefas tediosas e repetitivas. Estes poderão passar o seu tempo a supervisionar a produção, customizar o produto de acordo com as necessidades do cliente. A individualidade será substituída por equipas de pessoas e não será necessário que todos estejam presentes no lagar. As informações estarão disponíveis entre usinas conectadas e a solução de problemas comuns não dependerá da inventividade de cada uma delas.

Finalmente, um falso mito que desejaria banir?

Eu baniria a resposta mítica: “Eu tenho trabalhado no lagar toda a minha vida e é assim que se faz, não invente novas modas agora.” O tempo tornado rotineiro e livre de curiosidade termina numa plácida sonolência que estagna quem o pratica. Como Charles Duhigg afirma em O poder do hábito: “Os peixes passaram a vida inteira na água, acha que eles sabem alguma coisa sobre a água?”

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